- Meu Deus - murmurou entre soluços -, acabei de receber a minha sentença de morte, e de que maneira fui condenada a morrer! Por que Deus deixou que isso acontecesse?! Eu não merecia!
A mágoa sufocava-a. Olhou o céu límpido e azul, as árvores imóveis, a rua quieta e morna daquela tarde de verão. Num gesto mórbido, foi encarando com agressividade cada pessoa que passava, como se culpasse a natureza pelo seu destino. Entre dentes, sua voz soou gutural e desconhecida: "No próximo verão, vocês estarão aqui, mas eu não! Isso não é justo!" Aquietou-se novamente, dominada pelo desespero e pela angústia.
Não sabia dizer ao certo se haviam se passado alguns minutos ou muitas horas. O tempo agora parecia ter uma dimensão diferente, e tornara-se o que realmente é: precioso.
O mundo à sua volta parecia estar revestido de uma roupagem de gala, explodindo em cores e vida. Também seus olhos, nesse instante, viam as coisas com outro enfoque.
"Mas o que vemos é a verdadeira realidade, ou a realidade é fruto somente da nossa mente? O que é realmente a existência?" Nesse breve tempo de mergulho interior, sentiu um rápido alívio, pois afastou aldeia trágica que a dominava.
No dia seguinte ao diagnóstico médico, fora trabalhar em ritmo normal, como se quisesse dar tempo ao tempo. Mesmo porque a vida deveria continuar no seu compasso de sempre. Primeiro decidiu não contar para ninguém o drama que estava vivendo. Depois de 15 dias, porém, ao encontrar o olhar afetuoso e amigo de Marconi, que reparara sua palidez e lhe perguntou se ela se sentia bem, não conseguiu esconder a verdade.
- Marconi, eu vou morrer!
Marconi tentou ser brincalhão:
- Mas todos nós morreremos, Rosália. Nós começamos a morrer a partir do nascimento. Essa é a condição humana.
A moça agarrou-o pelo braço e sacudiu-o, mostrando seu nervosismo.
Só então Marconi percebeu a situação e, arrependido da brincadeira, fitou-a preocupado. Acariciou-lhe a mão, ainda presa em seu braço:
- Venha, Rosália, vamos conversar em minha sala.
A poucos passos dali estava a sala que Marconi ocupava sozinho como chefe de publicidade daquela grande agência.
Ela estava tremula. Parecia que as pernas não podiam sustentar-lhe o corpo. Mas, antes mesmo de sentar-se, murmurou, aflita e incrédula:
- Estou com leucemia, Marconi... - não teve forças para continuar, e abraçou-o com força, como se quisesse ar rancar dele a vitalidade que ela estava perdendo.
Marconi engoliu em seco antes de articular qualquer palavra. O máximo que tinha imaginado momentos antes era que a jovem amiga, de 25 anos, tivera uma forte decepção amorosa. Tentou concatenar rapidamente os pensamentos, mas o que conseguiu dizer, olhando os bonitos olhos castanhos da moça, foi uma pergunta perplexa:
- Que médico disse isto?
- Foi o doutor Estêvão, e ele consultou também sua equipe. Não há meio de fugir da realidade. Tenho poucos meses de vida, Marconi.
- Você não pode se desesperar, Rosália. Existem tratamentos adequados e muitos casos de cura - respondeu com segurança.
- Eu sei, Marconi, mas os médicos dizem que no meu caso... - escondeu o rosto bonito nas mãos em leque, e não pôde continuar.
O rapaz estendeu a mão na intenção de acariciá-la e consolá-la, mas interrompeu seu gesto no ar, pois sentiu que ela ia interpretá-lo como uma expressão de compaixão e pesar. Mesmo assim, disse, com voz convicta, como se desejasse convencer também a si mesmo:
- Você vai conseguir curar-se, não se desespere. Faça tudo que for necessário para isso. Eu e todos os seus amigos a amamos muito. Sei que não tem parentes próximos, mas estaremos sempre com você, no que precisar.
- Eu sei, Marconi. Obrigada! E em último caso... - interrompeu-se e, com voz melancólica e irónica, continuou:
- É, em última hipótese, posso ainda contar com um milagre!
Ergueu-se de repente e saiu rápido, esquivando-se do amigo, que corria atrás dela ao longo do corredor, chamando-a.
Só parou quando ela, voltando-se, disse com voz calma:
- Por favor, deixe-me só. Eu preciso ficar sozinha agora.
Mas não permaneceu ali. Saiu, entrou no carro e seguiu sem rumo. Sem se aperceber, depois de alguns quilômetros rodados, tomara uma estradinha de terra. A tarde morria. Um crepúsculo estonteante festejava o céu e a vida. Diante daquela explosão de exuberância, ela sentiu-se demasiadamente pequena e débil. Sem saber onde estava, subiu os degraus de pedra da pequena escadaria.
O ambiente parecia-lhe familiar. Entreaberta na sua frente estava uma alta porta feita de carvalho maciço. Uma réstia de luz inundava o ambiente silencioso, e os derradeiros raios de sol ainda brincavam nos vitrais coloridos. Fitou a toalha branquíssima de linho bordado que cobria a mesa tosca, e a chama da candeia de azeite que tremulava. Uma luz parecia inundar aquele ambiente penumbroso e sereno. E ela se sentiu invadida por uma profunda emoção.
- Meu Deus! - estacou perplexa -Esta é a capela de minha infância!
De fato, na ânsia de fugir, dirigira-se para a cidadezinha em que nascera, que ficava perto da cidade grande, onde agora vivia. Caminhou até o altar e deixou-se cair de joelhos no chão frio de mármore. Inesperadamente balbuciou:
- Senhor, meu Deus, és o dono da vida. Eu não quero morrer! Salva-me!
Um silêncio de paz a invadiu. Ela ficou ali, quieta, como se enfim encontrasse abrigo contra toda e qualquer tempestade. Chorou baixinho, experimentando uma alegria já esquecida - a alegria da fé, da entrega. Em tom suplicante, pediu perdão por haver vivido tanto tempo longe de Deus. E, revigorada, murmurou:
- Não temo enfrentar a minha doença, sei que estarás comigo em todos os instantes...
Há quanto tempo não entrava numa igreja! Constatou que desde os 10 anos, quando mudara para a capital e mergulhara em preocupações estudantis, depois profissionais, entremeadas por distrações áridas e mudanças, deixara de fazer isso. Deus fora banido de sua existência. O sucesso e o prestígio tornaram-na vaidosa e voltada para o seu mundo. Diante de si, sentia-se humanamente segura, adorando-se no altar de suas realizações. Mesmo sentindo-se humilhada por constatar isso. exclamou:
- Deus, eu não mereço ser curada. Mas gostaria muito que isso aconte cesse. Seria para mim um grande presente da sua misericórdia.
Ergueu-se e sentiu que tudo girava à sua volta. Compreendeu que essa tontura era a manifestação da doença, que evoluía. Ainda teve tempo de ver algumas pessoas se aproximando.
Acordou e estava deitada em uma cama que não era a sua, mas o rosto que estava ali a seu lado era-lhe familiar: dona Ernestina, a velha amiga de sua mãe, que lhe falava mansamente:
- Rosália, minha menina! Não se preocupe, está tudo bem, procure descansar. O médico precisou tirar uma amostra do seu sangue.
Antes que a amiga terminasse de falar, um jovem sorridente aproximou-se - era o médico. Rosália encarou-o nos olhos.
- Estou preparada, doutor, sei de toda a verdade.
A sua própria segurança espantou-a. Não sentia mais medo, apesar de saber da gravidade da sua situação.
O médico aproximou-se e falou em tom paternal, como se não tivesse entendido as suas palavras.
- Você está com saúde, menina, mas precisa se alimentar corretamente. Se estiver fazendo algum regime, interrompa-o.
Você não precisa disso! A cabeça cabisbaixa fez com que seus cabelos sedosos e negros cobrissem o seu rosto, escondendo suas lágrimas. Compreendera tudo! Na manhã seguinte, uma jovem de semblante tranquilo entregou nas mãos do perplexo doutor Estêvão o exame feito depois que ela desmaiara na igreja. Pediu que ele a mandasse fazer outro exame. Comovido, mas incrédulo, ele ouviu o relato do que aconteceu com ela na casa de Deus. Ficou ainda mais espantado quando ela disse:
- Sabe, doutor Estêvão, eu agora encontrei outra fonte de vida!
Fez uma pausa. Seu semblante brilhava, iluminado por uma luz invisível, que vinha do mais profundo interior do ser. Tocou o braço do médico, como se quisesse transmitir-lhe toda a alegria de sua descoberta:
- Agora, independente do meu próximo diagnóstico, eu sei que jamais morrerei, nem estarei só.
Essas palavras eram uma confirmação para si mesma, pois às vezes só um fato sobrenatural pode nos dar a certeza de nossas convicções ou a certeza de um milagre!
Autora: MARIA IVONE M. DE OLIVEIRA
Mensagem extraída da Revista Família Cristã