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Alberto Garuti
Resolver o problema da fome
não depende só dos países em desenvolvimento...
Em 1974, durante a Conferência Mundial sobre Alimentação, as Nações Unidas estabeleceram que “todo homem, mulher, criança, tem o direito inalienável de ser livre da fome e da desnutrição...”. Portanto, a comunidade internacional deveria ter como maior objetivo a segurança alimentar, isto é, “o acesso, sempre, por parte de todos, a alimento suficiente para uma vida sadia e ativa”.
E isso quer dizer:
Os dados que possuímos dizem que estamos ainda muito longe dessa situação de segurança alimentar para todos os habitantes do planeta.
Quais são as causas?
A situação precisa ser enfrentada, pois uma pessoa faminta não é uma pessoa livre. Mas é preciso, em primeiro lugar, conhecer as causas que levam à fome. Muitos acham que as conhecem, mas não percebem que, quando falam delas, se limitam, muitas vezes, a repetir o que tantos já disseram e a apontar causas que não têm nada a ver com o verdadeiro problema. Por exemplo:
A fome é causada porque o mundo não pode produzir alimentos suficientes. Não é verdade! A terra tem recursos suficientes para alimentar a humanidade inteira.
A fome é devida ao fato de que somos “demais”. Também não é verdade! Há países muito populosos, como a China, onde todos os habitantes têm, todo dia, pelo menos uma quantidade mínima de alimentos e países muito pouco habitados, como a Bolívia, onde os pobres de verdade padecem fome!
No mundo há poucas terras cultiváveis! Também não é verdade. Por enquanto, há terras suficientes que, infelizmente, são cultivadas, muitas vezes, para fornecer alimentos aos países ricos!
As verdadeiras causas
As causas da fome no mundo são várias, não podem ser reduzidas a uma só. Entre elas indicamos:
As monoculturas: o produto nacional bruto (pib) de vários países depende, em muitos casos, de uma cultura só, como acontecia, alguns anos atrás, com o Brasil, cujo único produto de exportação era o café. Sem produções alternativas, a economia desses países depende muito do preço do produto, que é fixado em outros lugares, e das condições climáticas para garantir uma boa colheita.
Diferentes condições de troca entre os vários países: alguns países, ex-colônias, estão precisando cada vez mais de produtos manufaturados e de alta tecnologia, que eles não produzem e cujo preço é fixado pelos países que exportam. Os preços das matérias-primas, quase sempre o único produto de exportação dos países pobres, são fixados, de novo, pelos países que importam.
Multinacionais: são organizações em condições de realizar operações de caráter global, fugindo assim ao controle dos Estados nacionais ou de organizações internacionais. Elas constituem uma rede de poder supranacional. Querem conquistar mercados, investindo capitais privados e deslocando a produção onde os custos de trabalho, energia e matéria-prima são mais baixos e os direitos dos trabalhadores, limitados. Controlam 40% do comércio mundial e até 90% do comércio mundial dos bens de primeira necessidade.
Dívida externa: conforme a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a dívida está paralisando a possibilidade de países menos avançados de importar os alimentos dos quais precisam ou de dar à própria produção agrícola o necessário desenvolvimento. A dívida é contraída com os bancos particulares e com Institutos internacionais como o Fundo Monetário e o Banco Mundial. Para poder pagar os juros, tenta-se incrementar as exportações. Em certos países, 40% do que se arrecada com as exportações são gastos somente para pagar os juros da dívida externa. A dívida, infelizmente, continua inalterada ou aumenta.
Conflitos armados: o dinheiro necessário para providenciar alimento, água, educação, saúde e habitação de maneira suficiente para todos, durante um ano, corresponde a quanto o mundo inteiro gasta em menos de um mês na compra de armas. Além disso, os conflitos armados presentes em muitos países em desenvolvimento causam graves perdas e destruições em seu sistema produtivo primário.
Neo-colonialismo: em 1945, através do reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos, iniciou o processo de libertação dos países que até então eram colônias de outras nações. Mas, uma vez adquirida a independência, em muitos continuaram os conflitos internos que têm sua origem nos profundos desequilíbrios sociais herdados do colonialismo. Em muitos países, ao domínio colonial sucederam as ditaduras, apoiadas pela cumplicidade das superpotências e por acordos de cooperação com a antiga potência colonial. Isso deu origem ao neocolonialismo e as trocas comerciais continuaram a favorecer as mesmas potências.
Quando um país vive numa situação de miséria, podemos dizer que, praticamente, todas essas causas estão agindo ao mesmo tempo e estão na origem da fome de seus habitantes. Algumas delas dependem da situação do país, como o regime de monocultura, os conflitos armados e as desigualdades sociais. Elas serão eliminadas, quando e se o mesmo país conseguir um verda-deiro desenvolvimento. Mas outras causas já não dependem do próprio país em desenvolvimento, e sim da situação em nível internacional. Refiro-me às condições desiguais de troca entre as várias nações, à presença das multinacionais, ao peso da dívida externa e ao neocolonialismo. Isso quer dizer que os países em desenvolvimento, não conseguirão sozinhos vencer a miséria e a fome, a não ser que mudanças verdadeira-mente importantes aconteçam no relacionamento entre essas nações e as mais industrializadas.
A maior pérola da existência terrena é a pessoa humana, com suas reais condições de vida saudável e de dignidade. A isso se junta sua capacidade de decisão, de empenho e de discernimento para realizar aquilo que convém e que ajuda na sua real existência.
O discernimento, também entendido como escolha consciente e livre, é a capacidade de opção, fazendo investimento no que é bom, rejeitando tudo aquilo que é ruim e que prejudica a força da esperança contida no coração de todas as pessoas. É marca fundamental na pessoa humana a sabedoria nos julgamentos, na administração, na equidade e no bom senso. Importa ter um coração sábio e inteligente, porque ali reside a condição do pensar e do conhecimento do bem e do mal.
As atitudes de dureza de atos são prejudiciais para a comunidade, seja ela qual for. A família pode ser a maior e primeira prejudicada, convivendo com práticas autoritárias, com mandos e desmandos de formas inconseqüentes. Toda prática autoritária acaba sendo corrupta e exploradora das pessoas. Podemos dizer que a sabedoria divina é uma grande pérola, mas tem que ser bem usada, sabendo discernir com precisão o que é bom e o que é mal na comunidade.
As pérolas são tesouros como sinais de vida. No dizer dos provérbios:"Feliz o homem que encontrou a sabedoria..., mais feliz ainda é quem a retém" (Pr 3, 13-18). É como encontrar ouro, prata e objetos preciosos. Jesus fala do Reino de Deus como pérola a ser procurada.
A sociedade atual tem de tudo, mas nem tudo faz bem para o ser humano. É necessário distinguir o que serve para ajudar o homem e a mulher na sua dignidade, no ser imagem e semelhança de Deus. A maior pérola é a filiação divina do ser humano.
Enfim, a vida humana, como maior pérola na história, é uma conquista diária, com lutas e enfrentamentos a todo instante. E não é fácil fazer o bem no meio de tantas propostas oferecidas pela cultura do mal e da violência ao ser humano.
Dom Paulo Mendes Peixoto
Bispo de São José do Rio Preto